QUAL O SENTIDO DE TUDO ISTO?

24-11-2022

Artigo para a revista Cidade Nova - Movimento dos Focolares (Outubro 2022)

Talvez a pergunta mais frequente nos últimos 3 anos e seguramente a que obteve menos respostas. A somar a ela, um sentimento de vazio, que nada vai mudar, que tudo já está determinado, levando muitas vezes a que o desespero e o desalento ocupem o lugar da esperança e do propósito. Felizmente que encontramos pessoas na história da Humanidade que nos mostraram que a vida não é algo aleatório ou desprovido de sentido e nos despertam ainda hoje para a nossa pegada existencial. Uma dessas pessoas é Viktor Frankl * que, com a sua teoria ** , mas sobretudo com a sua vida, mostrou que mesmo nas situações mais desesperantes, a vida tem sempre sentido. O que é que levou Frankl a afirmar algo que, para muitos, pode ser tão  ofensivo?

Frankl pertencia à comunidade judaica de Viena de Áustria e cedo se confrontou com questões ligadas à existência humana. Quando tinha treze anos, o professor de Ciências, afirmou que a vida não era nada mais que um processo de oxidação e combustão. Viktor interpela-o: "Se é assim como diz, então qual é o sentido da vida?". Influenciado por grandes mestres da psicologia *** e da filosofia **** , alicerçou aquilo que viriam a ser, as fundações da sua teoria. Frankl acreditava que, o que nos move não é tanto a busca de prazer ou poder, mas sim a busca por algo que dê sentido à nossa vida, reiterando Nietzsche: "Quem tem um porque viver, consegue suportar quase qualquer como"

Cedo entendeu o nihilismo e o reducionismo como uma ameaça, não só para si como para toda a sociedade e aos 16 anos de idade, deu a sua primeira palestra sobre o Sentido da Vida, afirmando que "somos nós mesmos, que temos que responder às questões que a vida nos coloca, e só o podemos fazer, sendo responsáveis pela nossa existência", desenvolvendo assim, dois dos seus pensamentos fundamentais: não devemos perguntar pelo sentido da vida, porque somos nós mesmos a ser interrogados por ela; e que o sentido da nossa vida, transcende a nossa capacidade de compreensão. Frankl define assim, aquilo que viria a ser a pedra angular não só da sua vida pessoal e identidade profissional. Aos 19 anos, inicia os estudos em Medicina na Universidade de Viena e aos 21 anos, ainda como estudante, discursa numa manifestação estudantil, sobre o sentido da vida, sobre o suicídio e sobre sexualidade.

Em 1938, quando as tropas de Hitler entram na Áustria, Frankl teve que deixar de exercer Medicina por ser judeu e mais tarde é preso juntamente com a sua família, num campo de concentração nazi. 119.104 era o número pelo qual Frankl passaria a ser conhecido nos quatro campos de concentração nazi ao longo de 3 anos, onde viveu a sua experimentum crucis, lugar onde se deixa de ter nome para ser um número, e onde perdeu tudo o que tinha: mulher, família e o seu manuscrito com as linhas que viriam a ser a base da Logoterapia, ou seja, tudo o que dava sentido à sua vida até então. Frankl durante o seu cativeiro entendeu que para vivermos uma vida com sentido, não é preciso ser‐se forte, mas semear e alimentar propósitos na nossa vida, independentemente das dores e sofrimentos que possamos experimentar. Frankl constatou que entre os prisioneiros que partilhavam o mesmo sofrimento e privação de liberdade, existiam alguns que viviam numa liberdade espiritual interior que os elevava dos condicionalismos de quem se encontra aprisionado. Frankl foi o primeiro a chamar a estas duas capacidades da existência humana de: autotranscendência e autodistanciamento. Capacidades que impelem a pessoa a transcender‐se e a descentrar‐se de si mesma e ir ao encontro do outro semelhante ou das maravilhas da criação, bem como distanciar-se do problema em si, tomando novas perspectivas para resolução do mesmo, dotando a própria vida de sentido, com esses dois gestos. 

Para Frankl, em cada situação desesperante, existe sempre a possibilidade transcendermos e nos posicionarmos perante cada momento da vida, opondo-nos aos efeitos e sintomas que possamos vir experimentar, pois cada um de nós é convidado a comportar-se de forma livre e responsável em qualquer circunstância da vida.

Terminada a guerra, Frankl volta para casa na esperança de encontrar a sua mulher e a sua mãe. Contudo o cativeiro para ele, ainda não tinha terminado, quando percebe que a sua mulher e a sua mãe não sobreviveram ao Holocausto. Mais tarde, reescreve o seu manuscrito, mulher e a sua mãe não sobreviveram ao Holocausto. Mais tarde, reescreve o seu manuscrito, narrando tudo o que viveu, mas acima de tudo, o que testemunhou e evidenciou da forma mais terrível que a vida tem um significado potencial em quaisquer condições, mesmo nas mais infelizes. Em 1946, lança o livro: O Homem em busca de Sentido 5 onde percebemos que os prisioneiros que desistiram de viver, eram os que tinham perdido toda a esperança num futuro.

Morriam não tanto por falta de comida ou medicamentos, mas por falta de esperança, falta de alguma coisa por que viver, ao contrário de alguns sobreviventes, que procuraram mantiver sempre viva a esperança por algo 6 . Através da sua obra, Frankl consolidou uma teoria que já tinha raizes antes da sua experiência em cativeiro, mas como o próprio afirmava: foi ali naquele terror que pude provar que que a vida tem significado e que no sofrimento e até mesmo no fracasso, existe ainda um sentido na vida. Uma teoria que pretende desafiar o Homem a encontrar a resposta aos seus porquês.

Como podemos encontrar sentido nas nossas vidas hoje? 

Frankl propõe três formas:

:: através de ações concretas, criando algo que contribua para tornar o mundo melhor; 

:: através do amor dado e tudo o que a vida nos dá, enriquecendo-nos interiormente; 

:: através da nossa atitude perante o sofrimento, na certeza que ninguém nos pode tirar a nossa liberdade e bússola interior que nos norteia e nos permite tomar a posição/direção diante de todas as circunstâncias da vida, mesmo as mais adversas. 

Só assim, diz Frankl, podemos encarnar a maior das potencialidades do Homem, isto é, poder transformar uma tragédia pessoal numa vitória.


Notas:

* Médico Neurologista e Psiquiatra Austríaco (1905 - 1997)

** A Logoterapia e Análise Existencial enquanto método psicoterapêutico centra-se na busca de sentido na existência

humana, assente numa procura pessoal, única e irredutível enquanto pessoas.

*** Sigmund Freud e Alfred Adler.

**** Como Martin Heidegger; Karl Jaspers; Martin Buber ; Max Scheler entre outros.